No calendário da saúde suplementar, junho e julho marcam a temporada de reajustes e um momento crítico para operadoras e usuários de planos de saúde.

Este ano não deverá ser diferente, porque, embora não se saiba ainda quais índices reajustarão os planos, uma coisa é certa: desagradarão a todos – consumidores, empresas e entidades contratantes, assim como operadoras, médicos e outros prestadores de serviço.

Na origem do descontentamento geral está o fato de que nem a renda dos beneficiários, nem o orçamento dos contratantes e o faturamento das operadoras acompanham o aumento dos custos assistenciais.

Na realidade, o que se assiste é a uma escalada de custos que põe em risco a sustentabilidade do setor e o acesso de uma grande parcela da população ao sistema.

Nem a renda dos beneficiários, nem o orçamento dos contratantes, nem o faturamento de operadoras acompanham o aumento dos custos assistenciaisArlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), sobre os custos dos planos de saúde do Brasil

É verdade que as receitas da saúde suplementar deram um salto nos últimos anos. Entre 2007 e 2013, acompanhando o aumento na base de beneficiários – que foi de 39,3 milhões para 50,3 milhões de pessoas – a receita das operadoras de saúde foi de R$ 51,1 bilhões para R$ 106,7 bilhões.

O salto na receita foi grande, como foi grande a mudança no panorama da saúde brasileira proporcionada pela expansão dos planos. Mesmo com todos os problemas que ainda precisam ser resolvidos, é importante reconhecer que a saúde suplementar contribuiu de fato para melhorar a assistência à população – em 2013, os planos de saúde realizaram mais de 1 bilhão de procedimentos, entre consultas, exames, terapias e internações.

Efetivamente, a saúde suplementar se colocou como alternativa de complementação de um sistema público que, com todos os seus méritos, não dá conta sozinho da demanda existente.

O fato preocupante nesse processo é que a despesa tem crescido mais depressa que a receita. Em 2007, o gasto assistencial de R$ 41,2 bilhões consumia 80,6% da receita total; em 2013, subiu para R$ 88,3 bilhões, representando 82,7% da receita. A esse custo se somam despesas com administração, comercialização, impostos etc.

O que se assiste é a uma escalada de custos que põe em risco a sustentabilidade do setor e o acesso de uma grande parcela da população ao sistemaArlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), sobre os custos dos planos de saúde do Brasil

Pagas todas as contas, as margens líquidas de remuneração das operadoras foram inferiores a 1% e, para muitas, têm sido negativas – como mostram os prejuízos de várias delas em 2013.

A combinação de custos crescentes, margens em queda e planos com preços proibitivos não beneficia a ninguém. Ao contrário, pode provocar um retrocesso em todos os sentidos. E, o que é pior, com consequências graves para o acesso dos usuários dos planos à assistência.

Um dos efeitos dessa situação sobre operadoras e empresas prestadoras de serviço – hospitais, clínicas, laboratórios – é a diminuição da capacidade de investir, o que dificulta a expansão das redes de atendimento e agrava o descompasso entre oferta e demanda.

Outro é o estrangulamento da atividade, que tem obrigado muitas operadoras a sair do mercado – em 2006 havia 2065 empresas em atividade no setor; em setembro de 2013, esse número havia caído para 1487.

Soluções

Diante desse quadro, a questão que se coloca, seja para operadoras de saúde e prestadoras de serviço, seja para usuários, empresas contratantes e poder público, é a seguinte: como evitar o agravamento desse processo e, ao mesmo tempo, estabelecer as bases para um desenvolvimento equilibrado do sistema?

O caminho para afastar a crise passa pela busca de soluções para as principais causas de aumento do custo assistencial. Entre elas, o custo das órteses, próteses e materiais especiais, que têm grande peso na conta da saúde e são inflacionados por um sistema de comercialização que necessita de transparência, regras e fiscalização.

Há também o problema da incorporação de novas tecnologias cuja utilização, muitas vezes exagerada, tem de ser moderada pela adoção de diretrizes clínicas que protejam o paciente e evitem custos desnecessários. Depois, há a elevação dos gastos devido ao envelhecimento da população, fruto da mudança do perfil demográfico.

A esses fatores somam-se os custos decorrentes de algumas decisões da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), como a Resolução Normativa 259, que traz as normas de prazos máximos de atendimento, com sanções severas, apuradas por meio de processo tecnicamente questionável.

O caminho para afastar a crise passa pela busca de soluções para as principais causas de aumento do custo assistencialArlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), sobre os custos dos planos de saúde do Brasil

Cabe questionar, por exemplo, se é razoável termos prazos de atendimento muito mais curtos do que os adotados em países desenvolvidos, como Reino Unido, Suécia e Canadá, uma vez que o estreitamento de prazos impacta fortemente os custos assistenciais, já tão pressionados. A mesma preocupação deve estar presente ao decidir-se sobre a inclusão de novos itens no rol de procedimentos obrigatórios.

Além disso, é preciso buscar soluções para conter a crescente judicialização da saúde. Ao impor às operadoras a cobertura de procedimentos não previstos nos contratos (e que são a base de cálculo atuarial dos planos), a judicialização acaba por favorecer a uns poucos consumidores e penalizar a grande maioria, pois, em nosso sistema mutualista, o aumento de gastos decorrente dessas demandas, inevitavelmente, terá de ser repassado aos demais beneficiários.

A crise que ameaça a saúde suplementar é, em suma, fruto de uma multiplicidade de fatores e não há, para resolvê-la, resposta única ou mágica.

É fundamental, no entanto, que o esforço para superá-la envolva, num diálogo franco e construtivo, os seus principais interessados, direcionado para parcerias público-privadas, revisão do modelo de remuneração, bem como a conscientização dos beneficiários para o uso adequado dos serviços oferecidos. O objetivo é preservar um serviço imprescindível para a assistência à saúde no Brasil.